Hoje. Último dia de fevereiro. Último significativo dia de fevereiro. Para uns, apenas mais um dia. Para outros, o dia mais feliz, o dia mais triste, um dia a menos, um dia a mais. Para a maioria, o dia que não viram passar. E o tempo corroer na sua mais magnífica obra que nos faz pertencentes à natureza. Hoje, aniversário, quem sabe, para alguns? Ou talvez para o alguém mais importante. Alguém importante, sim. Alguém que não se importa de falar sobre aniversário. Ou alguém que não gosta de falar sobre essas coisas e sobre o tempo...? Alguém que nem se importa com aniversário! Talvez... Aniversários podem ser relevantes ou não. Depende de como cada um lida com isso. Quanto a mim, ao dia, foi um dia! Um dia e tanto! Cheio de complexos significados antitéticos e sentidos paradoxais. Um dia que vai ficar marcado. Uma marca de vida. Um dia, com os sentimos mesmos de aniversário, para alguns. Alguns sentem apenas um, outros, apenas sentem o outro. Eu sinto os dois, e ao mesmo tempo feliz, mesmo não querendo sentir ambos. Ao mesmo tempo um peso, uma carga, algo que se sente: mãos, face, coluna, pernas, tempo, olhos... Principalmente olhos. Ao mesmo tempo um brinde pela vida, pelo tempo realizado, pelas obras e planos construídos ou ainda por construir, pela FORÇA de poder construir esses planos... FORÇA! Hoje uma força inexplicável, como força ambígua. Como a força das montanhas de Minas. Inexplicável como as montanhas de Minas. Solitárias e ao mesmo tempo coletivas. Que mesmo sozinhas ou em cadeias, transmitem FORÇA. Introspectivas.... Carlos Drummond. Hoje paradoxos, antíteses, montanhas, Minas, Drummond.... Hoje, aniversário. Não para mim, mas para alguém digna da FORÇA, das montanhas, de Minas, da obra de Carlos Drummond... Hoje estou aniversário, mas não o faço. Hoje estou Carlos Drummond. Estou José.
( Para você, FORÇA, montanhas, Carlos Drummond. Acho que é o que eu mais gosto dele. Para você, algo digno de você: Minas )
JOSÉ
( Carlos Drumond de Andrade )
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?